segunda-feira, fevereiro 12, 2007

"Um documento arrasador"

Do blogue do pais:

Temos em nosso poder cópia de um relatório da Inspecção Geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade, realizado entre 1996 e 2000 e arquivado sem despacho em 2000 pelo então secretário de estado Simões de Almeida. É um documento revelador de inúmeras ilegalidades protagonizadas pelo Conselho de Administração, que denuncia não só uso indevido de bens da Fundação, relações promíscuas entre entidades privadas, singulares ou colectivas, e a Fundação, mas também a fraca vocação social numa Fundação constituída e apoiada pelo Estado para esse fim.
Citamos alguns excertos, começando pela conclusão final do documento e dando depois exemplos que justificaram essa conclusão. Para ler o documento na íntegra é só clicar no link fornecido abaixo.

CONCLUSÃO:
«Decorrendo do explanado nos autos, qualquer solução que passe pela manutenção da Instituição suscita alguma apreensão.
Não houve qualquer vantagem social resultante da modificação da foram institucional operada no caso vertente. Ao contrário, verifica-se que a situação foi aproveitada por alguns elementos do CA, em proveito próprio, e que a instituição desenvolve principalmente actividades que nada têm a ver com os fins para que foi instituída, que aliás nunca foram prosseguidos.
[…] Nestes termos propõe-se, como alternativa à destituição dos corpos gerentes, ou cumulativamente:
Que Sua Excelência, o Ministro da Tutela determine a extinção da Fundação D. Pedro IV […]
Que Sua Excelência determine que os bens da Fundação sejam integrados noutra instituição ou serviço a designar pela Tutela […]»

SOBRE AS RELAÇÕES COM ENTIDADES COLECTIVAS PRIVADAS:
«[…] é de salientar que na sede da Fundação funcionam várias entidades de âmbito privado (FDP — Sociedade de Fomento Urbano, Lda, Cooperativa Casassimples, Segcir, Unilis e Metropolis) cujos dirigentes e funcionários são comuns a todas elas.
Esta situação de promiscuidade é preocupante, dado proporcionar o favorecimento de interesses pessoais, que têm vindo a recair sempre sobre os mesmos intervenientes.»
«[…] verifica-se que a Fundação financiou a Cooperativa [Casassimples] desde o ano da sua constituição, em 1990, até 1996, tendo cobrado juros por esse mesmo financiamento.
Após análise dos artigos 2º e 3º dos Estatutos da Fundação, não se afigura que constem como objectivos principais ou secundários a realização de operações desta natureza, ou seja, efectuar empréstimos a outras entidades.»
«[No ano de 1998] constata-se que foi contabilizado [um débito] no valor de 3.650.846$00 referente a um perdão de uma dívida da FDP — Sociedade de Fomento Urbano, Lda, o qual foi deliberado em reunião do Conselho de Administração realizada a 19 de Novembro de 1998 […]
Esta decisão custou à Fundação a importância de 3.650.846$00 […] sem que se encontre justificação para tal.
No entanto, esta situação só foi possível ocorrer devido ao facto do Engº Vasco Manuel Abranches do Canto Moniz ser simultaneamente Presidente do Conselho de Administração da Fundação e sócio gerente da FDP.»
«Através da análise dos extractos, constata-se que o maior cliente da FDP é a Fundação D. Pedro IV, pois só no ano de 1999 foi-lhe facturado o montante de 10.274.500$00.»
«A Fundação disponibilizou quase na totalidade o capital social para a constituição de uma sociedade que tem fins lucrativos [a FDP], gerida por elementos do seu Conselho de Administração, prosseguindo assim indirectamente actividades lucrativas, em violação do disposto no nº 2 do artº 1º do D:L: 119/83, de 25/2;
Contrata os serviços destes, em violação do disposto no nº 4 do artº 21º do DL 119/83, de 25 de Fevereiro;
Delibera o pagamento de uma verba mensal pelo apoio logistico-administrativo, reduz o seu montante para metade, a FDP não paga, e o CA perdoa-lhe a dívida acumulada, assim lesando os interesses da Fundação;
Não investe verbas para desenvolver as suas actividades a nível da acção social — e tem dinheiro para dar a uma empresa privada, que desenvolve actividades lucrativas.
É caso para perguntar que fins prosseguem afinal os membros do CA.»

SOBRE A CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO NA AV. D. CARLOS I:
«[…] A construção do edifício [de S. Bento, na Av. D. Carlos I] foi legalmente autorizada com o objectivo da promoção social através da resolução de alguns problemas habitacionais dos estratos da população económica e socialmente desfavorecidos […]
No entanto, dadas as suas características, trata-se de um empreendimento lucrativo, composto por 46 apartamentos de luxo, escritórios, lojas destinadas ao comércio e um auditório e não de um equipamento para solucionar problemas sociais […].»

SOBRE APOIO SOCIAL À INFÂNCIA:
«Na única área em que a Fundação intervém a nível de acção social (infância) [à data de redacção do documento], tem vindo a privilegiar-se principalmente a admissão de crianças oriundas da classe média e média alta.»
«[…]Por outro lado, os utentes que pagam mensalidades inferiores às constantes da tabela são considerados “casos especiais” e representam apenas 29% do universo dos utentes […]. Não há crianças isentas do pagamento de mensalidades, não obstante tal estar previsto nos estatutos […] e o desafogo financeiro da Instituição o permitir;
Assim, constata-se que a Instituição não respeita o estatuído na lei, também a nível da prossecução dos fins visados pelas IPSS, e do cumprimento dos pressupostos dos acordos de cooperação (cfr. art.º 1.º do DL 119/83, de 25/2 e al. b) do n.º 1 da Norma XVI do D. N. 75/92, de 23 de Abril).
Consequentemente, não pode considerar-se que a Fundação D. Pedro IV exerce uma acção social relevante, uma vez que não prioriza o apoio a crianças oriundas de extractos social e economicamente mais desfavorecidos.»

SOBRE DESPESAS INDEVIDAS:
«Durante os anos de 1997 e 1998 foram debitados na conta […] despesas mensais de 55000$00 e 58000$00, relativas ao valor de quilómetros pagos ao Engº Jorge Manuel da Cunha Pires, vogal do Conselho de Administração.
Da análise dos boletins constata-se que não existe qualquer assinatura do Conselho de Administração para além da do próprio, a autorizar aquelas despesas […]»

SOBRE BOLSAS DE ESTUDO:
«transcreve-se o artº 1 do Regulamento [Interno da Fundação]: “A Fundação concede bolsas de estudo aos seus colaboradores, seus descendentes ou dependentes no seu agregado familiar e a estudantes economicamente carenciados, para prosseguimento dos seus estudos.”
Aquele artigo não condiciona a atribuição de bolsas de estudo à situação económica e financeira dos colaboradores e seus descendentes, o que permite atribuir bolsas a todos, independentemente dos rendimentos obtidos dos mesmos.
Deve referir-se que a Instituição em causa vive fundamentalmente de verbas provenientes da Segurança Social e do Estado, pelo que se afigura que a atribuição das bolsas devia estar sempre associada à situação de carência dos beneficiários.
Assim pode-se afirmar que todos os indivíduos supra referidos [v. p. 2363 e 2364 do documento integral] beneficiaram indevidamente de bolsas de estudos, na medida em que nenhum deles pode ser incluído no grupo de estudantes economicamente carenciados.»

“Averiguações à Fundação D. Pedro IV” – Relatório - Processo 75/96
Inspecção Geral
Ministério do Trabalho e Solidariedade Social


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