terça-feira, fevereiro 27, 2007

Índios da Meia Praia



Rosa Romão faz parte da primeira geração dos ‘índios’ da Meia Praia, que Zeca Afonso imortalizou numa canção. Chegou com os pais aos três meses para ocupar uma das barracas então montadas no areal. “Vivíamos do mar. O meu pai era mestre de artes e dedicava-se à apanha de condelipas (conquilhas)”, recordou ao CM a moradora, de 52 anos, que rejeita a hipótese de abandonar o antigo núcleo de pescadores de Lagos.

A possibilidade de erradicação do bairro 25 de Abril, onde se instalaram em 1974 as 41 famílias que até ali viviam na praia, é mencionada pela Câmara de Lagos no âmbito do Plano de Urbanização da zona, que vai estar em discussão pública durante o próximo mês. Rosa Romão não hesita: “Eu só saio daqui se for obrigada. Acho que não saberia viver noutro local. Foi aqui que casei e criei seis filhos”, relata, para acrescentar que outros moradores da sua geração têm a mesma opinião. Apenas os mais novos, reconhece, “pensam de outra maneira e esses não se importam de sair da Meia Praia”.
Contactado pelo CM, o presidente da Câmara de Lagos revelou estar já em curso o processo de realojamento da segunda geração de moradores do bairro. “Aquele espaço, criado para quatro dezenas de famílias, chegou a acolher 70, que recorreram à construção ilegal de anexos e barracas. Até agora já realojámos dezena e meia desses agregados e iniciámos as demolições. O nosso objectivo actual é conseguir que o bairro volte à dimensão inicial e, a médio prazo, que deixe de existir. Isso, no entanto, terá de ser ponderado com o Estado, os investidores e os moradores originais, que têm direitos adquiridos”, esclareceu Júlio Barroso.
O autarca apontou o prazo de dez anos – o tempo de vigência do Plano de Urbanização – “para que essa questão seja analisada, mas não necessariamente resolvida”.
“É necessário juntar todas as vontades para que o processo possa avançar”, frisou aquele responsável, que sublinhou ser “ponto de honra conseguir o acordo dos moradores e actuar de forma a causar o menor incómodo possível”.
Para Elsa Nunes, que nasceu no bairro há 34 anos (pertence à segunda geração), deixar a Meia Praia até “vai ser bom”. “Neste momento vivo com o meu marido e duas filhas num anexo da casa da minha sogra, mas estou à espera de ser realojada. Quando era pequena chorava quando na escola me chamavam ‘índia’. Agora já não me importo, mas não quero viver aqui muito mais tempo”, confidenciou.
O Plano de Urbanização da Meia Praia prevê a construção de resorts de luxo na zona, que incluem quatro hotéis e apartamentos turísticos, num investimento de cerca de 300 milhões de euros.


Ana Palma, Correio da Manhã, 27/02/2007

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