sábado, abril 15, 2006

A CONDIÇÃO DO JOVEM ARQUITECTO ou UMA GERAÇÃO SEM CONDIÇÃO

Em virtude do «emagrecimento», que tive de fazer no texto que hoje vem publicado no "Público", aqui fica o original:

Actualmente cerca de metade dos inscritos na Ordem dos Arquitectos tem menos de 35 anos de idade. Colocando a questão noutros termos, de acordo com o Decreto-Lei que é Estatuto desta organização profissional, metade dos cidadãos habilitados a exercer todos os actos próprios da arquitectura em solo nacional têm idade inferior a 35 anos.
Esta geração, formada nas universidades dos anos 90, foi cobaia de todos os sistemas (provas globais de acesso sobre "cultura", específicas, aferição ou globais) e é responsável por ter destacado das demais, as licenciaturas de arquitectura das universidades estatais, ao serem ano após ano os cursos superiores com as médias de entrada mais altas do país (quase sempre superior a medicina, até então crónica liderante). Nas universidades privadas, os sucessivos governos, iam alegremente permitindo o florescer do negócio das licenciaturas de arquitectura sem condições, que fundamentalmente, lhes resolvia o problema das universidades públicas estranguladas. Entretanto esta geração, não ficou às portas da Ordem como por vezes se pretende fazer crer, mas foi chegando à profissão.
É na profissão que, a geração na qual se enquadram os melhores alunos da última década, tem vindo a ser alvo de um violento processo de exclusão.
A maioria procurou iniciar a sua actividade profissional a partir do trabalho assalariado. Perante um mercado sequioso por retirar o máximo do trabalhador oferecendo-lhe o mínimo e com o aumento exponencial da qualidade da procura, constituiu-se um sistema de concorrência ultraliberal - desde a total ausência de remuneração até à precariedade do recibo verde. Não se andará muito longe da verdade ao afirmar que os princípios da lei que o governo francês procura impor com o CPE, já faz regra, nos ateliers de arquitectura em Portugal - seja sob a forma de estágios sem remuneração, de jovens arquitectos com salários abaixo dos mínimos ou de vínculos laborais inexistentes através da institucionalização do recibo verde.
Como consequência muitos partiram para o estrangeiro num processo idêntico à "mala de cartão" dos anos 60 mas, desta vez, com o certificado de habilitações nos braços.
Os mesmos governos que nos anos 90, para justificarem a inevitabilidade da implementação de uma propina, faziam sentir aos estudantes das universidades públicas que os seus cursos eram demasiado dispendiosos para o erário público (a arquitectura aparecia sempre no topo das listagens), no início desta década, dirigiram o discurso para a inevitabilidade da contenção da despesa e do consequente emagrecimento da administração pública. Assim, mais uma vez alegremente, assistem ao exílio destes técnicos superiores, sem rentabilizarem o investimento que diziam ter feito na sua formação.
Por outro lado, os que foram iniciando a sua actividade profissional por conta própria em Portugal, alguns como último recurso, confrontaram-se com um sistema vigente de cumplicidades e amizades, de promoções entre pares, que de tempos a tempos, resolve enfeitar o meio com uma ou outra "jovem revelação". Para os que ficaram, o acesso à encomenda pública é cada vez mais vedado designadamente a partir do momento em que os concursos começaram a ser massivamente participados e vencidos por jovens desta geração. Com a conivência do Estado, nos concursos públicos, quase que passou a ser regra haver uma prévia qualificação por curriculae vitae ou, simplesmente, deixaram de se fazer, contrariando a forma como os mais brilhantes arquitectos portugueses contemporâneos tiveram, em jovens, acesso à profissão (entre outros: Siza Vieira, Souto Moura, Carrilho da Graça ou Gonçalo Byrne).
Dentro em breve, em virtude de uma iniciativa de cidadãos da qual sou signatário, a Assembleia da República discutirá a revogação parcial do Decreto-Lei 73/73 no que diz respeito à prática profissional da arquitectura. Este decreto de 1973, que no seu preâmbulo se identifica como provisório, procurava entre outras coisas colmatar a existência de poucos arquitectos, permitindo a qualquer cidadão a assinatura de projectos de arquitectura. A lei, que na altura se pretendia qualificadora num país com escassas centenas de arquitectos, transformou-se num absurdo, quando a respectiva ordem profissional ameaça superar os catorze mil associados.
A aprovação deste diploma de revogação parcial e do reconhecimento que a prática profissional da arquitectura tem uma especificidade para a qual é necessária uma formação específica, é o passo mais importante para a geração da qual faço parte. A geração que teve as mais altas classificações do ensino secundário, que entretanto concluiu a universidade, e que se confronta diariamente com este mercado negro de trabalho, não pode ficar mais à espera.

Tiago Mota Saraiva - arquitecto
Autor do blog: http://www.rb02.blogspot.com

7 comentários:

Anónimo disse...

O panorama aqui descrito, para os arquitectos, não é diferente do que se vive nas outras profissões (INCLUSIVE, nas restantes licenciaturas).
Conheço, de relance, a petição (se é a mesma que foi noticiada como tendo sido encabeçada por Helena Roseta).
Porém, parece-me duma ingenuidade, absurda, imaginar que a situação se resolve ou pode melhorar com a aprovação de alguma lei como a referida. É assim como imaginar que se podem curar tomores com aspirinas... A doença é mais profunda e exige "bistori"; isso são paliativos!
Os cidadãos deste país (e as diferentes classes profissionais ou académicas) têm de começar a perceber, para bem de todos, mas também e principalmente para seu próprio bem, que não podemos resolver os problemas parcialmente, empurrando uns para "caberem" outros, que irão continuar a fechar os olhos aos procedimentos cretinos e anacrónicos, apenas porque o "problema" deles "está resolvido". Não está! Ou se resolve o problema de fundo (de idoneidade e rectidão no exercício de toda e qualquer função, relativamente a todo e qualquer problema concreto) ou perceberemos, rapidamente, que o problema se mantém, quiçá se agrava. É o que se constuma designara como: "mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma". Eu confio nas gerações mais novas e acredito que o seu papel vai ser determinante para alterar a nossa negra realidade, o que não acredito é que este tipo de medidas (proteccionistas quase) possa contribuir fortemente para isso, até pela sua especificidade (de se aplicarem, apenas, a uma classe profissional).

Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Caro Biranta, embora a discussão do 73/73 não seja o centro do texto, julgo que a alteração da lei não resolve mas pode melhorar.

Caro Nuno, dar visibilidade e pôr as pessoas a discutir e a raciocinar sobre este problema, é uma das formas para combater os obscuros meandros e silêncios instalados.

Anónimo disse...

Que estranho...

Nada tenho contra a geração de arquitectos dos anos 90. Mas você, Tiago, é membro do Conselho Directivo da OA. Espanta-me que na sua preocupação paire apenas o destino dos diplomados nesse tempo. Seria de supor que a preocupação se estendesse aos arquitectos de outras gerações, inclusivé, as seguintes. Ou a OA não representa todos os Arquitectos?

Não residirá nesta postura o mesmo mal do qual acusa o estado?

Sobre a revisão do 73/73 (da qual sou a favor)parece-me que a OA adoptou o mesmo espírito de orgulhoso isolamento e imposição. Não estranho, portanto, que a votação em plenário - da iniciativa de cidadãos- redunde num fracasso.

Na minha opinião, acho difícil tentar abraçar problemas maiores, de repercussões externas quando, internamente, se sabe que para os menores tem havido uma total incapacidade para os resolver.

A comunicação social tem veiculado sistematicamente os problemas internos a que me refiro e que são do conhecimento geral.

Por fim, pergunto: É normal que a única forma de um membro efectivo comprovar que é arquitecto seja através de uma folha A4 (dobrada em 2/3 partes)? Então e as cédulas...ou cartões?

Eu sei que isto é "insignificante" mas é de insignificâncias que o mundo é feito...

Anónimo disse...

Também sou da opinião que a revogação do 73/73 não vai resolver o problema colocado pelo Tiago no seu Post, no entanto julgo que iria clarificar o mercado de trabalho e desta forma alguma coisa seria melhorada.

No entanto sinto que as coisas não andam. À mais de vinte anos que oiço falar deste anacrónico decreto, da Associação passou-se para a Ordem, julgo que uma das vantagens propagadas pelos defensores da criação da ordem, era a de que seria mais simples a alteração da lei com a existência de uma ordem, mas com um misto de sensação de impotência e chateado continuo a ver adiado esse momento.

Penso que a Ordem deveria fazer mais qualquer coisa, não sei o quê, mas sinto uma estranha sensação de que a ordem está sendo enrolada por uma maioria politica que, provavelmente, não está interessada na alteração da lei, mais que não seja por uma questão de evitar chatices.

Em relação à questão colocada pelo Nuno, sobre a criação de um Sindicato, acho a ideia interessante e gostaria que pudesse ser desenvolvida e discutida, para perceber de que forma um sindicato poderia contribuir para a resolução deste problema e de outros que se colocam à classe.

Saudações.
António

Anónimo disse...

Caro Nuno,

Tens razão no que dizes. É confrangedor ver toda esta gente de que falo, emparedada por muro de silêncios e medos.
Em virtude da minha deformação marxista, parece-me que o primeiro passo, a ser dado por cada um, é formar uma consciência de classe (só uma deficiente cultura política pode confundi-lo com uma qualquer forma de corporativismo).
A partir desse momento estão criadas as condições para que se passe à acção, seja através da constituição sindicato (como propões tu e inúmeros outros colegas), de uma participação activa na Ordem dos Arquitectos ou de outras formas de luta que se entenda.
Para mim também é confrangedor, ver uma associação de jovens licenciados como a APELA que tanto destaque mediático consegue, estar apenas preocupada (com ou sem razão) com o acesso à Ordem dos Arquitectos de uns quantos jovens licenciados e, pura e simplesmente, esquecer o problema social gravíssimo que se assiste diariamente na profissão.
Aliás, é ainda mais confrangedor saber, que esta associação, nem sequer é contra o facto da maioria dos estágios não serem remunerados.

Anónimo disse...

apenas umas breves palavras sobre o 73/73...
Caro colega Tiago

Sou um arq. da geração de 70, em que o maior tempo da minha vida profissional tem sido passado na europa e américa. Conheco portanto muitas realidades profissionais de outros países, o que me deixam de algum modo triste, quando contacto com outros profissionais amigos e me inteiro da nossa realidade e revoltado quando à pouco tempo tive conhecimento do que um sobrinho meu ´"licenciado por uma universidade em que o curso apenas está reconhecido" está a passar para poder ser arquitecto.
Sobre o 73/73, concordo plenamente a sua alteração, não posso deixar é de concordar que a sua alteração possa surgir apenas para resolver o problema de uma classe profissional. O 73/73 abrange todo o sector da construção e todo ele necessita de ser regulado.O nosso país tem muitos bons técnicos, sejam eles engenheiros ou agentes técnicos e se tudo for regulado existe trabalho para todos.
Mas voltando ao que interessa, a razão da minha vinda cá é para lhe comentar uma das muitas revisões do 73/73, na altura era então 1º ministro o actual presidente da república:
Indo já na 17º versão do documento,uma das exigências da então AAP era além de querer(e muito bem) a arquitectura para os arquyitectos, queria a AAP que os ARQUITECTOS podessem ELABORAR projectos de estruturas ATÉ CINCO PISOS...entre outros... ou seja, esta é uma opinião minha e partilhada por muitos colegas, SE AINDA TEMOS UM 73/73 É PORQUE OS NOSSOS DIRIGENTES NADA TÊM FEITO PARA O MUDAR.
Quanto ao que se está a passar com os licenciados para poderem se inscrever na OA, é REALMENTE LAMENTÁVEL e caracteristico de um país do 3º mundo, pois os mais fracos, os que não se podem defender, é que são sujeitos aos maus tratos.
E aqui deixe-me perguntar... Que fez a OA para travar a poliferação de cursos de arquitectura num país tão pequeno como o nosso??? Nada.. e então como é mais fácil o mais pequeno que se lixe. ( quem paga sempre é o mexilhão).
Mas sobre isto, irei certamente ter oportunidade de no devido lugar, me pronunciar.

Para terminar, penso que seria interessante para si, como dirigente da OA, analisar por exemplo o sistema inglès, pois sempre estão mais ao centro na UE.