domingo, novembro 05, 2006
Proposta de Revisão do Decreto n.º 73/73
"Artigo 9.º n. 3 - Os projectos de arquitectura de edifícios correntes, sem exigências especiais, que não excedam dois pisos acima da soleira e cuja área não ultrapasse os 400 m2 podem também ser elaborados por agentes técnicos de arquitectura e engenharia com carteira profissional e cumprindo as demais condições inerentes à sua actividade."
Procurando esquecer a terminologia profundamente inculta (para não lhe chamar outra coisa) na qual se designa "edifícios correntes, sem exigências especiais", tentarei neste texto analisar a causa desta excepção.
Para além de inúmeras outras construções, o grande mercado que aqui se procura designar é o da habitação e, mais concretamente, a moradia. Digamos que no início pensei no Bairro Alto e em todos os centros históricos do país cujos edifícios, pela escassez de espaço, não têm na sua maioria mais de 400 m2, contudo por vezes têm mais de dois pisos e depois há a regulamentação do IPPAR que não permite aceitar projectos de arquitectura sem serem assinados por arquitectos...
Portanto, ainda ninguém me conseguiu demover desta ideia, que aquilo que de facto preocupa o IMOPPI e o governo são as moradias.
Ora lamentavelmente, com o desordenamento do território reinante, estas moradias despontam como cogumelos e constroem a actual paisagem do país. É um mercado, e que mercado!
Num país em que as obras maiores são sempre motivo de grande destaque mediático e no qual já é exigido um razoável conhecimento técnico, é na pequena e média construção, muito desqualificada, que vai reinando a barbárie.
A falta de exigência na habitação própria por parte do cidadão, quer ao nível da sustentabilidade, térmica ou tecnologia, alicerçada numa cultura estética e regulamentação ainda do Antigo Regime, proporciona a constituição de um mercado de vigarices, no qual só lucra quem constrói.
Fundamentado em pequenas empresas da construção, de poucos funcionários e muitos imigrantes sem qualquer vínculo, este mercado de vigarice, movimenta avultadas verbas transformando-o num dos mais rentáveis do país.
Essas empresas não querem nem qualificação, nem sustentabilidade nem regulação. Querem um arquitecto avençado para poderem ter o alvará e mais nada.
Por outro lado são estas empresas que constroem os poderes políticos, financiam as campanhas municipais, os clubes de futebol e fazem obras "gratuitas" nas colectividades para os presidentes poderem inaugurar.
É todo um sistema que reina neste país e que se mexe sorrateiramente dentro de todo e qualquer estrutura de poder. Recordo aliás o discurso da deputada do PS por ocasião da aprovação da iniciativa legislativa, na qual pedia calma às Câmaras Municipais dizendo que a aprovação daquele documento não significava que todos os projectos de arquitectura tivessem de ser feitos por arquitectos. Recordo ainda o saco azul de Felgueiras ou as investigações à gestão autárquica de José Luis Judas em Cascais - dois casos em que estavam envolvidas as construtoras de que falo.
Considerações finais:
1.
É um pouco ingénuo, após a vinda a público deste documento, continuar a referir-se que a principal preocupação do governo são os agentes técnicos que exercem há muito tempo esta actividade. Se assim fosse ter-se-ia procurado uma disposição transitória que de acordo com aquilo que tem sido o discurso do governo seria o da qualificação destes técnicos, criando um quadro legal que lhes permitisse obter a qualificação necessária para continuar a exercer.
2.
Na minha óptica, enquanto arquitecto e sócio de uma empresa de arquitectura, entendo que a obrigatoriedade de todos os projectos de arquitectura serem realizados por arquitectos não nos trará mais trabalho, não o defendendo por isso, por uma mera questão corporativa como o fazem os agentes técnicos. Entendo que a qualidade não se decreta mas regula-se. Ou seja, a consequência óbvia de um mercado profundamente desqualificado (como é o caso da maioria da construção em Portugal) imediatamente a seguir à revogação do 73/73, não será na procura da qualidade arquitectónica, mas sim da assinatura.
3.
O documento que está em cima da mesa é aviltante para os cidadãos, para os arquitectos em geral, mas sobretudo para os jovens arquitectos. O estado dá um sinal de uma incrível falta de respeito por toda uma geração de jovens arquitectos que teve seis ou cinco anos de universidade, um difícil e tortuoso período de inserção profissional e que anseia constituir uma vida a partir da profissão que escolheu.
Procurando esquecer a terminologia profundamente inculta (para não lhe chamar outra coisa) na qual se designa "edifícios correntes, sem exigências especiais", tentarei neste texto analisar a causa desta excepção.
Para além de inúmeras outras construções, o grande mercado que aqui se procura designar é o da habitação e, mais concretamente, a moradia. Digamos que no início pensei no Bairro Alto e em todos os centros históricos do país cujos edifícios, pela escassez de espaço, não têm na sua maioria mais de 400 m2, contudo por vezes têm mais de dois pisos e depois há a regulamentação do IPPAR que não permite aceitar projectos de arquitectura sem serem assinados por arquitectos...
Portanto, ainda ninguém me conseguiu demover desta ideia, que aquilo que de facto preocupa o IMOPPI e o governo são as moradias.
Ora lamentavelmente, com o desordenamento do território reinante, estas moradias despontam como cogumelos e constroem a actual paisagem do país. É um mercado, e que mercado!
Num país em que as obras maiores são sempre motivo de grande destaque mediático e no qual já é exigido um razoável conhecimento técnico, é na pequena e média construção, muito desqualificada, que vai reinando a barbárie.
A falta de exigência na habitação própria por parte do cidadão, quer ao nível da sustentabilidade, térmica ou tecnologia, alicerçada numa cultura estética e regulamentação ainda do Antigo Regime, proporciona a constituição de um mercado de vigarices, no qual só lucra quem constrói.
Fundamentado em pequenas empresas da construção, de poucos funcionários e muitos imigrantes sem qualquer vínculo, este mercado de vigarice, movimenta avultadas verbas transformando-o num dos mais rentáveis do país.
Essas empresas não querem nem qualificação, nem sustentabilidade nem regulação. Querem um arquitecto avençado para poderem ter o alvará e mais nada.
Por outro lado são estas empresas que constroem os poderes políticos, financiam as campanhas municipais, os clubes de futebol e fazem obras "gratuitas" nas colectividades para os presidentes poderem inaugurar.
É todo um sistema que reina neste país e que se mexe sorrateiramente dentro de todo e qualquer estrutura de poder. Recordo aliás o discurso da deputada do PS por ocasião da aprovação da iniciativa legislativa, na qual pedia calma às Câmaras Municipais dizendo que a aprovação daquele documento não significava que todos os projectos de arquitectura tivessem de ser feitos por arquitectos. Recordo ainda o saco azul de Felgueiras ou as investigações à gestão autárquica de José Luis Judas em Cascais - dois casos em que estavam envolvidas as construtoras de que falo.
Considerações finais:
1.
É um pouco ingénuo, após a vinda a público deste documento, continuar a referir-se que a principal preocupação do governo são os agentes técnicos que exercem há muito tempo esta actividade. Se assim fosse ter-se-ia procurado uma disposição transitória que de acordo com aquilo que tem sido o discurso do governo seria o da qualificação destes técnicos, criando um quadro legal que lhes permitisse obter a qualificação necessária para continuar a exercer.
2.
Na minha óptica, enquanto arquitecto e sócio de uma empresa de arquitectura, entendo que a obrigatoriedade de todos os projectos de arquitectura serem realizados por arquitectos não nos trará mais trabalho, não o defendendo por isso, por uma mera questão corporativa como o fazem os agentes técnicos. Entendo que a qualidade não se decreta mas regula-se. Ou seja, a consequência óbvia de um mercado profundamente desqualificado (como é o caso da maioria da construção em Portugal) imediatamente a seguir à revogação do 73/73, não será na procura da qualidade arquitectónica, mas sim da assinatura.
3.
O documento que está em cima da mesa é aviltante para os cidadãos, para os arquitectos em geral, mas sobretudo para os jovens arquitectos. O estado dá um sinal de uma incrível falta de respeito por toda uma geração de jovens arquitectos que teve seis ou cinco anos de universidade, um difícil e tortuoso período de inserção profissional e que anseia constituir uma vida a partir da profissão que escolheu.
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